Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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São Paulo vive a maior crise de segurança de sua história, e a face mais profunda do problema está na infiltração do crime organizado na economia formal e no sucateamento do aparato estatal, descaso que permitiu o surgimento de um império da segurança privada no estado.
A avaliação é do conselheiro de direitos humanos, Rildo Marques, em entrevista à TV GGN na quarta-feira (17). Segundo ele, “chegamos à maior crise das estruturas de segurança no estado de São Paulo. E essa crise é provocada exatamente por um descuido que vem de anos, desde que a segurança pública deixou de ser tratada como política universal, como foi a saúde, a educação, a habitação”.
O sociólogo Benedito Mariano, ex-ouvidor das polícias, também convidado do programa TVGGN 20 Horas nesta semana, compartilha da mesma visão e destaca que o problema é estrutural. A operação na Faria Lima mostrou que o grande crime atua em bairros nobres, “entre empresários e no coração da classe média alta”.
“Eu penso que o crime organizado ampliou muito no Brasil. Tem mais de 80 organizações criminosas, duas, três delas comandando o país inteiro“.
A lógica da bala e a blindagem corporativa da PM
A incapacidade do estado de São Paulo em enfrentar o crime organizado leva, segundo Marques, a respostas imediatistas e violentas. Ele cita a Operação Escudo, no Guarujá, em 2023, como exemplo desse fracasso.
A ação foi deflagrada após a morte de um policial da Rota e, em pouco mais de um mês, resultou em 958 prisões e 28 mortos, segundo balanço da Secretaria de Segurança Pública.
“Fizeram centenas de prisões, mas grande parte não se sustentou. E mais de vinte pessoas morreram, muitas delas em circunstâncias denunciadas como execuções. Isso não serviu para nada, o tráfico continua na normalidade”, critica.
Marques compara esse modelo de atuação com a da Polícia Federal. “No ano passado, a PF apreendeu a maior carga de drogas da história do Porto de Santos sem matar ninguém. Quando quer, o Estado mostra que inteligência funciona melhor que tiro, porrada e bomba”.
Outro ponto central destacado pelo especialista é a atuação autônoma da Polícia Militar, que, segundo ele, se sente acima da lei. O conselheiro lembra o episódio de Itaquera, em 2015, quando o delegado Raphael Zanon prendeu em flagrante o sargento Charles Otaga, acusado de tortura.
Em menos de duas horas, dezenas de viaturas da PM cercaram a delegacia em protesto, mobilizadas por um deputado coronel. “Quando você dá a um grupo esse poder isolado, ele passa a resolver as coisas do jeito que acha, extrapolando a legalidade. Isso mostra que a PM se sente acima da lei. Quando as pessoas se colocam acima da Constituição, não comprometem só o sistema penal, mas o próprio Estado de Direito”.
Para Marques, existem caminhos, mas é preciso muito debate, diálogo e predisposição das autoridades. “Não dá para achar que apenas um grupo, isoladamente, tem todo o conhecimento sobre segurança pública. Isso não é verdade. Dizem que está tudo sob controle. Mas quem controla? Se está sob controle, é o Estado ou o crime que está controlando? Essa é a pergunta que a sociedade precisa fazer”.
Para Benedito Mariano, a saída está em criar o Ministério da Segurança Pública, com diretrizes permanentes de enfrentamento ao crime organizado, pois apenas políticas consistentes podem conter a expansão do crime, que cada vez mais se infiltra no poder público.
“Enfrentar organização criminosa que já têm laços com outras organizações fora do país não vai se dar por incursões policiais nas periferias. Isso é um engodo, é uma demagogia”, diz Mariano.
Combatendo a máfia
Rildo Marques defende que a primeira tarefa para enfrentar a crise é admitir, oficialmente, a existência de máfia no Brasil. “Não se trata apenas do PCC ou do Comando Vermelho. Estamos falando de organizações que matam autoridades, controlam territórios e têm tentáculos no Estado. Enquanto não houver esse reconhecimento, não avançaremos em propostas como a criação de uma agência antimáfia”.
Ele também questiona a recusa histórica de São Paulo em aceitar ajuda federal para combater o PCC. “Quantas vezes o governo federal ofereceu apoio da Polícia Federal e São Paulo recusou? Se não reconhecemos a dimensão do problema, não tem como enfrentá-lo”.
Para Mariano, a morte do ex-delegado-geral da Polícia Civil de SP, Ruy Ferraz, evidencia ainda mais a crise. “Se o ex-delegado da maior polícia civil do país não está seguro, quem está?”.
Tarcísio e o projeto militar
A crise de segurança em São Paulo preocupa ainda mais diante do contexto eleitoral, segundo o cientista político Thiago Trindade. Para ele, o governador Tarcísio de Freitas não é um moderado, como sugere a mídia hegemônica, mas representa a continuidade do projeto militar de poder iniciado por Jair Bolsonaro.
“O Tarcísio é a continuação do projeto do Partido Militar. Ele é militar, e as pessoas parecem esquecer disso. De moderado ele não tem nada. É só olhar o que está fazendo em São Paulo”, disse em entrevista ao jornalista Luis Nassif.
Segundo Trindade, o projeto visa reverter avanços sociais conquistados com a Constituição de 1988. Vale lembrar que o governo paulista já privatizou setores estratégicos, como a Sabesp, escolas, a EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), além de rodovias e serviços lotéricos, e chegou a propor a privatização de hospitais estaduais.
“O programa militar é um programa de contenção às conquistas sociais. E claro, eles veem o PT como o grande inimigo, justamente por ter sido a força política que mais promoveu mudanças progressistas no Brasil”, conclui.
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