TÓQUIO – O Japão está comprometido com seus princípios não nucleares, afirmou nesta sexta-feira o principal porta-voz do governo, minimizando os comentários feitos no dia anterior por um funcionário que apoiou a posse de armas nucleares, o que constitui um desvio da política de longa data.
Essas declarações levaram membros tanto do partido governista quanto da oposição a pedir a demissão do funcionário, que está envolvido na formulação de políticas de segurança e é considerado próximo da primeira-ministra Sanae Takaichi. Elas também provocaram indignação entre os sobreviventes da bomba atômica, que há muito lutam para livrar o mundo das armas nucleares.
O secretário-chefe do Gabinete, Minoru Kihara, declarou em uma coletiva de imprensa que a política do governo é manter os chamados três princípios não nucleares, que proíbem a posse, a produção ou a autorização de armas nucleares.
Questionado se o funcionário em questão deveria permanecer no cargo, Kihara foi evasivo e respondeu apenas que se absteria de comentar “todos os artigos da mídia”.
Sendo o único país a ter sofrido bombardeios atômicos durante a guerra, a posição do Japão é implementar “medidas realistas e práticas para alcançar um mundo sem armas nucleares, com o objetivo de manter e fortalecer” o regime global de desarmamento nuclear previsto no Tratado de Não Proliferação Nuclear, afirmou Kihara.
“Desde o fim da guerra, nosso país tem contribuído consistentemente para a paz e a prosperidade da comunidade internacional. Essa posição não mudou”, afirmou ele.
O funcionário criticado havia declarado durante uma conversa informal com jornalistas: “Acho que deveríamos possuir armas nucleares”, indicando que tal medida era irrealista e negando ter discutido com Takaichi a revisão dos princípios não nucleares.
Takaichi, que assumiu o cargo no final de outubro e é conhecida por suas posições linha-dura em relação à segurança, está pressionando por uma mudança na política de defesa em um ambiente de segurança cada vez mais desafiador, incluindo uma revisão dos princípios não nucleares considerados um credo nacional.
Embora defenda uma Constituição pacifista desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão depende da dissuasão nuclear americana para sua proteção, o que, segundo alguns críticos, já contradiz os princípios não nucleares.
O ex-ministro da Defesa, General Nakatani, do Partido Liberal Democrático, no poder, pediu a substituição desse funcionário, declarando a jornalistas na sexta-feira que o primeiro-ministro “deveria selecionar cuidadosamente sua equipe para evitar que seu gabinete seja rotulado como composto por seus amigos”.
Takeshi Iwaya, que ocupou cargos ministeriais nas áreas de Relações Exteriores e Defesa, afirmou que o fato dessas declarações coincidirem com o 80º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial “esfria os esforços do Japão para desempenhar um papel no desarmamento”.
Tetsuo Saito, líder do partido Komeito, conhecido por sua postura conciliatória em questões de defesa e ex-parceiro de coalizão do PLD, afirmou que essas declarações “justificavam a repressão”.
Yoshihiko Noda, líder da maior força de oposição, o Partido Democrático Constitucional do Japão, disse estar “muito surpreso” com essas medidas.
“É difícil acreditar (no que o indivíduo disse)… É razoável que essa pessoa renuncie rapidamente”, disse Noda em uma coletiva de imprensa.
Em comunicado, a Nihon Hidankyo, principal organização japonesa de sobreviventes da bomba atômica, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz no ano passado, afirmou que essas declarações “ignoram a existência de sobreviventes da bomba atômica, toleram a guerra nuclear e são absolutamente imperdoáveis”.
O Ministro da Defesa, Shinjiro Koizumi, por sua vez, deixou em aberto a possibilidade de o Japão rever seus princípios não nucleares no futuro.
“Para proteger a vida pacífica das pessoas, é natural que consideremos todas as opções sem descartá-las”, disse ele em uma coletiva de imprensa.
A China, que está cada vez mais em desacordo com o Japão em relação a Taiwan e suas atividades militares, aproveitou as declarações do oficial sobre o programa nuclear para criticar o país vizinho mais uma vez.
O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Guo Jiakun, disse em uma coletiva de imprensa que, se as declarações divulgadas forem verdadeiras, a situação é “bastante séria” e a comunidade internacional “deve estar muito vigilante e seriamente preocupada”.
